quarta-feira, 2 de março de 2016

O CAPOTE (RJ)


Tragicômico resgate póstumo


Como bem apontou Vladimir Nabókov, “a literatura de Gógol nos apresenta, mais do que temas e ideias, um verdadeiro prodígio de procedimentos artísticos”.  Suas prosas russas e narrativas breves influenciaram para sempre a literatura universal, obtendo o reconhecimento de, nada menos, que outro gigante de sua época, Dostoiévski, que o consagrou na célebre frase: “ Todos nós saímos do Capote de Gógol”.

É na simplicidade de uma anedota, que Gógol estrutura o seu conto: um pequeno funcionário que morre depois de ter seu Capote roubado, o qual adquiriu após anos de sacrifício. Com um olhar romântico e tragicômico, o dramaturgo registra com muita criatividade as características humanas em seus personagens, conferindo-lhes qualidades, defeitos, frustrações, humor e sabedoria popular. Com uma narrativa fantástica, Nikolai Gógol nos apresenta os “causos” de suas novelas.

Em cartaz até 13 de março, no CCBB, a bem-sucedida montagem de “O Capote” é um dos espetáculos IMPERDÍVEIS atualmente no Rio de Janeiro. Expostas as devidas proporções ao autor já mencionado, o espetáculo em questão reconstrói as desventuras do protagonista Akaki Akakievitch, num jogo potente e fluido, estruturado equilibradamente com narrativas, diálogos, sons e intervenções em vídeo. Esses 4 elementos conferem uma dinâmica ao texto sem perder a essência singela do conto e o caráter humano característico de Gógol.

A “fantástica” adaptação ficou a cargo de Dráuzio Varella, que inicialmente escreveu um monólogo sobre as desventuras de Akaki. Segundo o ator Rodolfo Vaz, que interpreta o protagonista, foi em sala de ensaio, com o dramaturgo Cássio Pires, e a diretora Yara Novaes, que surgiram os outros 2 personagens/narradores, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas, que ainda dividem o palco com a musicista Sarah Assis.

O Capote é um espetáculo preciso, que articula com muita funcionalidade o gênero narrativo com a linguagem dramática. A adaptação de Dráuzio Varella cria uma abertura criativa para a inserção de elementos sonoros e visuais que não descaracterizam o conto. A condução da história é muito objetiva e bem “amarrada” dramaturgicamente, pelo trabalho de Cassio Pires, que alcança a sua finalidade que é manter o espectador no enredo.

A direção de Yara Novaes tem uma “requintada” simplicidade que surpreende o espectador a cada cena com uma ebulição visual/criativa, pautada no material humano dos atores. Nada é gratuito na encenação. As escolhas estéticas que unem outras linguagens ao drama, partem da construção da realidade pelo herói em cena. Os sons e imagens projetadas são extensões sonoras e visuais do humano, exprimindo pensamentos, ideais, sensações dos personagens, além de criarem espaços urbanos, objetos e lugares. As inserções desses elementos não interrompem a narrativa, muito pelo contrário, impulsiona a história agregando mais significado e expressão a fábula de Akaki Akakievitch.

Fica nítido o respeito e a cumplicidade entre os três excepcionais atores que narram as desventuras de Akaki. Rodolfo Vaz, constrói seu humilhado e ofendido Akakievitch com riquezas de detalhes, comprovando, em mais um trabalho bem realizado, o grande ator que é, sempre disponível à criação. É impossível não se comover e ao mesmo tempo não rir com esse ser humano em forma de personagem, ou personagem construído de forma tão humana. O ator tem uma verdade cênica e um domínio de palco marcantes. Suas qualidades nos possibilita uma viagem sem volta ao mundo de Gógol. Ora narrando os fatos e ora vivenciando as ações de seu personagem, Vaz transita com muita propriedade dentro da linguagem do espetáculo.

Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas não são meros coadjuvantes ou personagens “escada” para o protagonista. Os dois, além de também narrarem o espetáculo, interpretarem os personagens que cruzam a existência de Akaki Akakievitch: o alfaiate Pietróvitch, o figurão, os funcionários da repartição e os ladrões do capote, fazem a “engrenagem” cênica avançar, construindo visualmente os caminhos da encenação.

É um enorme prazer vê-los em cena e presenciarmos a espontaneidade do público que os “aplaudem em cena aberta”, não se contendo em esperarem o final do espetáculo para que de pé, manifestem a satisfação proporcionada.

O cenário e figurinos de André Cortez funcionam em perfeita harmonia para oferecer ao público uma sensação gogoliana. As 3 mesas oferecem uma dinâmica de construção das cenas, que, junto com as projeções, o som ao vivo, realizado por Sarah Assis, e os atores, “costuram” um novo Capote, muito bem “alinhavado”.

O fechamento do conto tem uma característica fantástica, quase carnavalesca, onde o personagem protagonista, depois de morto, volta a assombrar a cidade e as pessoas, para recuperar o seu capote. Um momento delicado e que poderia passar uma rasteira na montagem, mas não é o que acontece. Brilhantemente de uma forma simbólica, sem ser caricato, agressivo, e sem destoar da concepção do espetáculo, Rodolfo Vaz e seu Akaki Akakievitch, agora póstumo, não se resignam, permanecendo vivos e consagrados nessa bem-sucedida montagem de “O Capote”.

FICHA TÉCNICA:

Autor: Nikolai Gógol
Direção: Yara de Novaes
Elenco: Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas
Musicista: Sarah Assis
Adaptação: Drauzio Varella
Dramaturgismo: Cássio Pires
Cenografia e figurinos: André Cortez
Videoarte e design de projeção: Rogério Velloso
Trilha sonora e música original: Dr Morris
Preparação corporal e assistência de direção: Kenia Dias
Çriação de Luz: Bruno Cerezoli
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Arte e projeto gráfico: Lápis Raro
Fotografia: João Caldas
Direção de imagens: Rogério Velloso e George Queiroz
Vídeo release: George Queiroz
Composição digital: Saulo Silva
Mapping: Daniel Todeschi
Pesquisa de Imagens: Procuradoria de Filmes
Assistência de figurino: J. E. Tico Gomes
Confecção de figurino: Judite de Lima
Desenho de cenário: Fernanda Ocanto
Cenotecnia: Dênis Nascimento e Jorge Ferreira
Coordenação de construção de cenário: Jonas Soares
Serralheria: Dalton Nunes
Assessoria de Imprensa Rio de Janeiro: Eduardo Barata
Assessoria de comunicação: Alex Jason
Coordenação administrativo financeiro: Regiane Miciano e Marcos Queiroz
Contabilidade: Inforgrupo
Elaboração e acompanhamento de projeto: Isabella Moraes
Produção Local Rio De Janeiro: Caseiras Produções
Produção Executiva: Rose Campos
Coordenação Geral: Fernanda Vianna
Produção: Oitis Produções Culturais e Miranda
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil

SERVIÇO:

Centro Cultural Banco do Brasil
De quarta a domingo ás 19h.

Nenhum comentário:

Postar um comentário