Tragicômico
resgate póstumo
Como bem apontou Vladimir Nabókov, “a literatura de Gógol
nos apresenta, mais do que temas e ideias, um verdadeiro prodígio de
procedimentos artísticos”. Suas prosas
russas e narrativas breves influenciaram para sempre a literatura universal,
obtendo o reconhecimento de, nada menos, que outro gigante de sua época, Dostoiévski,
que o consagrou na célebre frase: “ Todos nós saímos do Capote de Gógol”.
É na simplicidade de uma anedota, que Gógol estrutura o seu
conto: um pequeno funcionário que morre depois de ter seu Capote roubado, o
qual adquiriu após anos de sacrifício. Com um olhar romântico e tragicômico, o dramaturgo
registra com muita criatividade as características humanas em seus personagens,
conferindo-lhes qualidades, defeitos, frustrações, humor e sabedoria popular.
Com uma narrativa fantástica, Nikolai Gógol nos apresenta os “causos” de suas
novelas.
Em cartaz até 13 de março, no CCBB, a bem-sucedida montagem
de “O Capote” é um dos espetáculos
IMPERDÍVEIS atualmente no Rio de Janeiro. Expostas as devidas proporções ao
autor já mencionado, o espetáculo em questão reconstrói as desventuras do
protagonista Akaki Akakievitch, num jogo potente e fluido, estruturado
equilibradamente com narrativas, diálogos, sons e intervenções em vídeo. Esses
4 elementos conferem uma dinâmica ao texto sem perder a essência singela do
conto e o caráter humano característico de Gógol.
A “fantástica” adaptação ficou a cargo de Dráuzio Varella, que inicialmente
escreveu um monólogo sobre as desventuras de Akaki. Segundo o ator Rodolfo Vaz, que interpreta o
protagonista, foi em sala de ensaio, com o dramaturgo Cássio Pires, e a diretora Yara
Novaes, que surgiram os outros 2 personagens/narradores, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas, que ainda dividem o palco com a musicista Sarah Assis.
O Capote é um espetáculo preciso, que articula com muita
funcionalidade o gênero narrativo com a linguagem dramática. A adaptação de Dráuzio Varella cria uma abertura
criativa para a inserção de elementos sonoros e visuais que não descaracterizam
o conto. A condução da história é muito objetiva e bem “amarrada”
dramaturgicamente, pelo trabalho de Cassio
Pires, que alcança a sua finalidade que é manter o espectador no enredo.
A direção de Yara
Novaes tem uma “requintada” simplicidade que surpreende o espectador a cada
cena com uma ebulição visual/criativa, pautada no material humano dos atores.
Nada é gratuito na encenação. As escolhas estéticas que unem outras linguagens
ao drama, partem da construção da realidade pelo herói em cena. Os sons e imagens
projetadas são extensões sonoras e visuais do humano, exprimindo pensamentos,
ideais, sensações dos personagens, além de criarem espaços urbanos, objetos e
lugares. As inserções desses elementos não interrompem a narrativa, muito pelo
contrário, impulsiona a história agregando mais significado e expressão a
fábula de Akaki Akakievitch.
Fica nítido o respeito e a cumplicidade entre os três
excepcionais atores que narram as desventuras de Akaki. Rodolfo Vaz, constrói seu humilhado e ofendido Akakievitch com
riquezas de detalhes, comprovando, em mais um trabalho bem realizado, o grande
ator que é, sempre disponível à criação. É impossível não se comover e ao mesmo
tempo não rir com esse ser humano em forma de personagem, ou personagem
construído de forma tão humana. O ator tem uma verdade cênica e um domínio de
palco marcantes. Suas qualidades nos possibilita uma viagem sem volta ao mundo
de Gógol. Ora narrando os fatos e ora vivenciando as ações de seu personagem,
Vaz transita com muita propriedade dentro da linguagem do espetáculo.
Rodrigo Fregnan e
Marcelo Villas Boas não são meros
coadjuvantes ou personagens “escada” para o protagonista. Os dois, além de
também narrarem o espetáculo, interpretarem os personagens que cruzam a existência
de Akaki Akakievitch: o alfaiate Pietróvitch, o figurão, os funcionários da
repartição e os ladrões do capote, fazem a “engrenagem” cênica avançar,
construindo visualmente os caminhos da encenação.
É um enorme prazer vê-los em cena e presenciarmos a
espontaneidade do público que os “aplaudem em cena aberta”, não se contendo em
esperarem o final do espetáculo para que de pé, manifestem a satisfação proporcionada.
O cenário e figurinos de André Cortez funcionam em perfeita harmonia para oferecer ao
público uma sensação gogoliana. As 3 mesas oferecem uma dinâmica de construção
das cenas, que, junto com as projeções, o som ao vivo, realizado por Sarah Assis, e os atores, “costuram” um
novo Capote, muito bem “alinhavado”.
O fechamento do conto tem uma característica fantástica,
quase carnavalesca, onde o personagem protagonista, depois de morto, volta a assombrar
a cidade e as pessoas, para recuperar o seu capote. Um momento delicado e que
poderia passar uma rasteira na montagem, mas não é o que acontece.
Brilhantemente de uma forma simbólica, sem ser caricato, agressivo, e sem
destoar da concepção do espetáculo, Rodolfo Vaz e seu Akaki Akakievitch, agora
póstumo, não se resignam, permanecendo vivos e consagrados nessa bem-sucedida
montagem de “O Capote”.
FICHA TÉCNICA:
Autor: Nikolai Gógol
Direção: Yara de Novaes
Elenco: Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas
Musicista: Sarah Assis
Adaptação: Drauzio Varella
Dramaturgismo: Cássio Pires
Cenografia e figurinos: André Cortez
Videoarte e design de projeção: Rogério Velloso
Trilha sonora e música original: Dr Morris
Preparação corporal e assistência de direção: Kenia Dias
Çriação de Luz: Bruno Cerezoli
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Arte e projeto gráfico: Lápis Raro
Fotografia: João Caldas
Direção de imagens: Rogério Velloso e George Queiroz
Vídeo release: George Queiroz
Composição digital: Saulo Silva
Mapping: Daniel Todeschi
Pesquisa de Imagens: Procuradoria de Filmes
Assistência de figurino: J. E. Tico Gomes
Confecção de figurino: Judite de Lima
Desenho de cenário: Fernanda Ocanto
Cenotecnia: Dênis Nascimento e Jorge Ferreira
Coordenação de construção de cenário: Jonas Soares
Serralheria: Dalton Nunes
Assessoria de Imprensa Rio de Janeiro: Eduardo Barata
Assessoria de comunicação: Alex Jason
Coordenação administrativo financeiro: Regiane Miciano e
Marcos Queiroz
Contabilidade: Inforgrupo
Elaboração e acompanhamento de projeto: Isabella Moraes
Produção Local Rio De Janeiro: Caseiras Produções
Produção Executiva: Rose Campos
Coordenação Geral: Fernanda Vianna
Produção: Oitis Produções Culturais e Miranda
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
SERVIÇO:
Centro Cultural Banco do Brasil
De quarta a domingo ás 19h.
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