Hábitos e
Costumes universalmente humanizados
Brimas, que está em sua terceira temporada de sucesso no Teatro
Fashion Mall é um dos espetáculos que agradam gregos e troianos, quer dizer, árabes
e judeus, graças a sua humanidade tão nua e crua. Em tempos de tantas
intolerâncias, esse espetáculo resgata o que há de mais singelo e puro no ser
humano, resgata a tradição familiar, nossa ancestralidade. Resgata o companheirismo,
a complementariedade, o afeto existente entre as pessoas.
O espetáculo alça voos bem mais
altos que a simples sinopse: “Duas senhoras imigrantes,
Ester e Marion, revivem, com muito humor, suas histórias,
enquanto cozinham quibes para um velório. O riso, a saudade da família e
as memórias do passado se misturam nessa história cheia de emoção e sabedoria. ” E isso é surpreendente. Com
uma leveza à princípio despretensiosa, Brimas consegue arrebatar a plateia para
essa história tão massacrada historicamente pelas guerras e intransigências.
Acredito que essa qualidade se deva ao fato da dramaturgia ter sido escrita
pelas próprias atrizes (Beth Zalcman e Simone Kalil), que tendo descendências judaica e
libanesa, respectivamente, trazem para o palco as suas próprias histórias, lembranças
e crenças, o que torna o espetáculo mais forte emocionalmente. Vale lembrar que
essa dramaturgia rendeu a indicação ao Prêmio Shell, de melhor autor em 2015.
Beth Zalcman e Simone Kalil
são excelentes atrizes, com uma sintonia e cumplicidade muito apurada em cena. É
nítido a generosidade das intérpretes que se complementam no jogo de suas
memórias. As duas resolvem seus personagens com muito respeito e devoção saudosista
que contagia a plateia. Uma vez na história, não dá para largá-las. Dá vontade
de trazê-las para casa, e olha que não são pelos seus quibes e bom humor, mas,
sim, pela carga humana que despejam em cena. Parabéns!!! Não dá para não nos
emocionar com vocês duas.
A direção está a cargo de Luiz Antônio Rocha, que conduz a
encenação e as duas atrizes, magistralmente. O que a princípio nos revela despretensioso,
ganha todo requinte nas mãos desse sensível diretor, que imprime a sua marca com
muita competência. Em Brimas temos uma direção limpa, precisa e esteticamente
produtiva. Luiz Antônio, com sua direção, consegue transferir toda a emoção das
atrizes em belos quadros cênicos. As imagens que as duas projetam com as formas
de quibes e suas lembranças, são de arrepiar. Só mesmo um diretor inteligente e
entregue ao trabalho para fazer da tradição dessa “cultura-culinária”, um recurso
cênico inteligente e digno de aplausos.
O cenário de Toninho Lôbo endossa mais ainda a credibilidade dessa história que
aposta na composição de vários tipos e tamanhos de malas para, ao mesmo tempo, criar
os ambientes do espetáculo e a atmosfera dessas personagens de “eternas
imigrantes”. O cenário já nos convida a essa viagem nas crenças e tradições
árabes-judaicas.
Assim como a cenografia, os
figurinos de Claudia Goldbach também
endossam essa credibilidade na história contada.
O que me chama atenção nesse
espetáculo é que nenhum elemento se sobrepuja ao outro, todos se destacam na sua
complementariedade. Por isso vejo nesse espetáculo o que há de mais honesto
para um artista, sua arte e sua vida. E é nesse sentido, que Brimas, despretensiosamente
marca o seu lugar na cena teatral carioca. Parabéns para todos os envolvidos, pois
Brimas é uma joia que deve ser sempre passada de geração para geração, um
espetáculo necessário, que esclarece muito de uma cultura muitas vezes julgada
erradamente. Como boa descendente de sírios, não poderia deixar de mandar esse
recado.