terça-feira, 15 de março de 2016

PLÍNIO, A história do Maldito Bendito (RJ)


COM TODO RESPEITO AO NOSSO “MALDITO BENDITO”


Se me perguntassem hoje o que é ser ator, eu responderia: Vá assistir Plinio, A história do Maldito Bendito, que depois a gente conversa! Daria um lenço, esperaria uns 3 dias para que a pessoa digerisse o que viu e ouviu, e aí, sim, começaríamos o nosso diálogo com a seguinte resposta-pergunta: Por que você quer ser ator? Acho que seríamos acometidos por uma expressiva pausa dramática ////

Digo isso, porque Roberto Bomtempo está nos presenteando com a possibilidade de conhecermos mais sobre o nosso teatro e os nossos autores. Está mostrando também para o leigo, o dito “público comum”, um pouco da árdua profissão do ator; e para os aspirantes que querem se aventurar nessa carreira, a dura realidade.

O que temos em PLÍNIO é a celebração de uma vida e obra dedicadas ao teatro. O espetáculo é um recorte muito bem escrito por Mauricio Arruda Mendonça, que soube extrair o que há de mais humano na vida de Plínio, o que há de eterno na obra desse “maldito bendito”, o que há de “clássico” na brutal denúncia de suas peças, que parece continuar inalterada até hoje, e o que há de real no dia a dia dessa profissão de ator. A maneira como Arruda conduz o seu texto, mesclando história, vida e arte transforma o espetáculo numa verdadeira aula de teatro, desde a teoria à prática, graças a excelente interpretação de Roberto Bomtempo.

A dramaturgia do monólogo consegue inserir o espectador dentro do jogo através de uma ferramenta “mística”, que Plínio Marcos conhecia muito bem, e usava para sobreviver: o TARO! Ops! Mas Plínio não era escritor e ator? Sim, mas também estava nas estatísticas dos 99,9% dos atores que não conseguem sobreviver do seu trabalho. Além de tirar cartas de taro, Plinio também vendia seus livros nos bares, nas ruas, nas portas dos teatros, ... outra ferramenta utilizada para alavancar humanamente a dramaturgia e legitimar a triste miséria sofrida, mas maldita bendita história de um ser humano que só queria trabalhar e que fora sempre impedido pela censura. Para se ter uma ideia, sua peça Barrela, escrita em 1957, só pôde ser encenada 21 anos depois, em 1978, que continuava atual, e, inclusive, até hoje!!!

Mas não só por esses motivos, que já são muitos, e que valem a ida ao Teatro Gláucio Gill, o elemento principal dessa peça é, sem dúvida, a vida que Roberto Bomtempo dá ao seu personagem, mostrando mais uma vez o grande ator que todos nós sabemos que ele é. Bomtempo, com sua sensibilidade investe no caráter humano de Plínio. Na simplicidade de sua narração ele nos revela o submundo daquele “camelô de histórias”. É nítido o alto grau de comprometimento e paixão que o ator dispende ao contar essa história e também o respeito e cuidado na palavra, para que não haja distorções no sentido ideológico-político. O espetáculo, embora responda muito bem ao atual momento político do Brasil, não se corrompe “panfletariamente”. O que temos em cena é a honestidade de um excelente ator a serviço de seu ofício. Palmas para você e palmas para o público que está conhecendo, através do seu trabalho, o trabalho de um homem, que, no fundo, SÓ QUERIA TRABALHAR!!!

Completando essa magia, está a sutil direção de Silvio Guindane, que define essa peça como: “Este espetáculo fala sobre sonhos”. Acredito que deva ser mesmo um sonho trabalhar com um autor dessa dilaceração impulsiva, com um dramaturgo que soube captar a essência humana desse Plinio e com um ator totalmente disponível e disposto a se jogar nesse picadeiro de emoções. Parabéns pela ótima e generosa direção, que caminha junto, à serviço do coletivo, e que não pretende se sobrepor, e, sim, contribuir com o espetáculo.

A cenografia de Daniele Geammal, tem uma qualidade “nua e crua”, seca e áspera que adjetiva o que foi a vida de Plínio Marcos, além de dar forma ao “picadeiro”, que foi onde tudo começou para o artista.

Em sintonia com toda a atmosfera do espetáculo está a iluminação de Daniel Galvan e o figurino de Mel Akerman. O que vejo em cena é o resultado de muita paixão, aliado com competentes profissionais que, generosamente souberam respeitar essa grande homenagem, a esse grande homem de teatro que foi PLÍNIO MARCOS!!!!

Parabéns e vida longa ao espetáculo!!!


segunda-feira, 14 de março de 2016

CHABADABADÁ, manual prático do macho jurubeba (RJ)


O MACHO QUE ESTÁ MAIS PARA WANDO DO QUE PARA SHAKESPEARE

OU
O MACHISTA PÓS-MACHISMO

Certa vez sendo entrevistado num congresso sobre semiologias do espetáculo, em Milão, o professor Umberto Eco declarou: “o teatro é um lugar de condensação e convergência de semióticas diversas”. E é sobre esse aspecto que me atrevo, com muito prazer, a escrever sobre esse espetáculo em forma de manual, de autoajuda, de muita diversão em prosa e verso, e que faz jus a uma boa comédia de costumes.

Chabadabadá, manual prático do homem jurubeba, se condensa no nosso mais característico gênero do teatro brasileiro, transformando prosas, crônicas, contos e “poesia musicada” numa dramaturgia divertida e bem-humorada do cotidiano do macho que guarda feijão no pote de sorvete, que usa pomada Minâncora, e que não se rende as “modernagens” tendências dos metrossexuais.

O texto da peça é extraído do livro de Xico Sá, intitulado “Chabadabadá, o qual faz referência à trilha do filme “Um Homem, Uma Mulher”, obra-prima de Claude Lelouch. Mas aqui na peça Chabadadá é o nome do programa de rádio apresentado por Francisco Reginaldo (impecavelmente interpretado por Marcos França), um típico macho Jurubeba que responde a todas as perguntas das ouvintes “mal-amadas”, em busca de um consolo sentimental.

Marcos França também assina a dramaturgia do espetáculo, que dialoga com as pertinentes músicas bregas, do romântico cantor Wando, construindo um harmônico espetáculo, com uma atmosfera cômica, estruturado através dos códigos sociais bregas existentes na nossa sociedade.

Com um texto e uma dramaturgia popular da melhor qualidade, sem medo de ser “cafona”, Marcos França se lança, sem reservas, a interpretar, como já dissemos, impecavelmente o consultor sentimental. Só mesmo um ator maduro e seguro do seu trabalho é capaz de dar vida a um personagem que já nasceu caricato, sem ser “canastra”, sem usar de truques e gracejos para dominar a plateia. Marcos tem um carisma contagiante que extrai boas risadas da plateia sem precisar ser ofensivo e grosseiro, mas sabendo utilizar, a seu favor e com inteligência, essa semiologia da linguagem do espetáculo que transita na sátira, na “amoralidade”, no espirituoso e na ironia. Marcos também se preocupou em construir vocalmente seu personagem. Para quem conhece o ator, sabe que ele não tem aquela voz. Brilhante!!! Muito coerente com a construção física, imprimindo mais credibilidade ao jogo. É uma delícia vê-lo em cena, ou melhor, vê-los em cena, pois o músico André Siqueira divide o palco com o ator, em “chique” contraponto ao “macho-jurubeba”.

A direção de Thelmo Fernandes é limpa, precisa e “séria”, sem grifar o que já é cómico, e engraçado, confiando na própria linguagem do texto que dá conta desse recado.

Outro elemento muito importante de composição, é o figurino de Natália Lana, que exerce um papel temporal ao acrescentar e modificar, grotescamente, a roupa do personagem de maneira tão bem alinhavada no enredo, que imprime a sensação de termos assistido vários programas, do Chabadadá, em dias diferentes.

Natália Lana também assina o enxuto cenário da montagem com muita simplicidade funcional, deixando espaço para a excelente contribuição de Aurélio de Simoni, que além de trazer, com a iluminação, volume ao espetáculo, compõe um cenário de show que é intercalado à narrativa textual do espetáculo, convergindo na medida certa para o equilíbrio da peça.  

E por fim, não poderíamos deixar de ressaltar mais um belíssimo trabalho produzido pela Diálogo da Arte!

Chabadabadá é um espetáculo leve, compacto, divertido, muitíssimo bem-humorado, realizado com muita seriedade por profissionais nada aventureiros e que dignificam o nosso teatro.
Viva!!!
Desejo vida longa ao merecido sucesso!!!

SERVIÇO:

Teatro Ipanema.
Até 27 de março de 2016.
Sextas, sábados e domingos, às 20h.


quarta-feira, 2 de março de 2016

O CAPOTE (RJ)


Tragicômico resgate póstumo


Como bem apontou Vladimir Nabókov, “a literatura de Gógol nos apresenta, mais do que temas e ideias, um verdadeiro prodígio de procedimentos artísticos”.  Suas prosas russas e narrativas breves influenciaram para sempre a literatura universal, obtendo o reconhecimento de, nada menos, que outro gigante de sua época, Dostoiévski, que o consagrou na célebre frase: “ Todos nós saímos do Capote de Gógol”.

É na simplicidade de uma anedota, que Gógol estrutura o seu conto: um pequeno funcionário que morre depois de ter seu Capote roubado, o qual adquiriu após anos de sacrifício. Com um olhar romântico e tragicômico, o dramaturgo registra com muita criatividade as características humanas em seus personagens, conferindo-lhes qualidades, defeitos, frustrações, humor e sabedoria popular. Com uma narrativa fantástica, Nikolai Gógol nos apresenta os “causos” de suas novelas.

Em cartaz até 13 de março, no CCBB, a bem-sucedida montagem de “O Capote” é um dos espetáculos IMPERDÍVEIS atualmente no Rio de Janeiro. Expostas as devidas proporções ao autor já mencionado, o espetáculo em questão reconstrói as desventuras do protagonista Akaki Akakievitch, num jogo potente e fluido, estruturado equilibradamente com narrativas, diálogos, sons e intervenções em vídeo. Esses 4 elementos conferem uma dinâmica ao texto sem perder a essência singela do conto e o caráter humano característico de Gógol.

A “fantástica” adaptação ficou a cargo de Dráuzio Varella, que inicialmente escreveu um monólogo sobre as desventuras de Akaki. Segundo o ator Rodolfo Vaz, que interpreta o protagonista, foi em sala de ensaio, com o dramaturgo Cássio Pires, e a diretora Yara Novaes, que surgiram os outros 2 personagens/narradores, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas, que ainda dividem o palco com a musicista Sarah Assis.

O Capote é um espetáculo preciso, que articula com muita funcionalidade o gênero narrativo com a linguagem dramática. A adaptação de Dráuzio Varella cria uma abertura criativa para a inserção de elementos sonoros e visuais que não descaracterizam o conto. A condução da história é muito objetiva e bem “amarrada” dramaturgicamente, pelo trabalho de Cassio Pires, que alcança a sua finalidade que é manter o espectador no enredo.

A direção de Yara Novaes tem uma “requintada” simplicidade que surpreende o espectador a cada cena com uma ebulição visual/criativa, pautada no material humano dos atores. Nada é gratuito na encenação. As escolhas estéticas que unem outras linguagens ao drama, partem da construção da realidade pelo herói em cena. Os sons e imagens projetadas são extensões sonoras e visuais do humano, exprimindo pensamentos, ideais, sensações dos personagens, além de criarem espaços urbanos, objetos e lugares. As inserções desses elementos não interrompem a narrativa, muito pelo contrário, impulsiona a história agregando mais significado e expressão a fábula de Akaki Akakievitch.

Fica nítido o respeito e a cumplicidade entre os três excepcionais atores que narram as desventuras de Akaki. Rodolfo Vaz, constrói seu humilhado e ofendido Akakievitch com riquezas de detalhes, comprovando, em mais um trabalho bem realizado, o grande ator que é, sempre disponível à criação. É impossível não se comover e ao mesmo tempo não rir com esse ser humano em forma de personagem, ou personagem construído de forma tão humana. O ator tem uma verdade cênica e um domínio de palco marcantes. Suas qualidades nos possibilita uma viagem sem volta ao mundo de Gógol. Ora narrando os fatos e ora vivenciando as ações de seu personagem, Vaz transita com muita propriedade dentro da linguagem do espetáculo.

Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas não são meros coadjuvantes ou personagens “escada” para o protagonista. Os dois, além de também narrarem o espetáculo, interpretarem os personagens que cruzam a existência de Akaki Akakievitch: o alfaiate Pietróvitch, o figurão, os funcionários da repartição e os ladrões do capote, fazem a “engrenagem” cênica avançar, construindo visualmente os caminhos da encenação.

É um enorme prazer vê-los em cena e presenciarmos a espontaneidade do público que os “aplaudem em cena aberta”, não se contendo em esperarem o final do espetáculo para que de pé, manifestem a satisfação proporcionada.

O cenário e figurinos de André Cortez funcionam em perfeita harmonia para oferecer ao público uma sensação gogoliana. As 3 mesas oferecem uma dinâmica de construção das cenas, que, junto com as projeções, o som ao vivo, realizado por Sarah Assis, e os atores, “costuram” um novo Capote, muito bem “alinhavado”.

O fechamento do conto tem uma característica fantástica, quase carnavalesca, onde o personagem protagonista, depois de morto, volta a assombrar a cidade e as pessoas, para recuperar o seu capote. Um momento delicado e que poderia passar uma rasteira na montagem, mas não é o que acontece. Brilhantemente de uma forma simbólica, sem ser caricato, agressivo, e sem destoar da concepção do espetáculo, Rodolfo Vaz e seu Akaki Akakievitch, agora póstumo, não se resignam, permanecendo vivos e consagrados nessa bem-sucedida montagem de “O Capote”.

FICHA TÉCNICA:

Autor: Nikolai Gógol
Direção: Yara de Novaes
Elenco: Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas
Musicista: Sarah Assis
Adaptação: Drauzio Varella
Dramaturgismo: Cássio Pires
Cenografia e figurinos: André Cortez
Videoarte e design de projeção: Rogério Velloso
Trilha sonora e música original: Dr Morris
Preparação corporal e assistência de direção: Kenia Dias
Çriação de Luz: Bruno Cerezoli
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Arte e projeto gráfico: Lápis Raro
Fotografia: João Caldas
Direção de imagens: Rogério Velloso e George Queiroz
Vídeo release: George Queiroz
Composição digital: Saulo Silva
Mapping: Daniel Todeschi
Pesquisa de Imagens: Procuradoria de Filmes
Assistência de figurino: J. E. Tico Gomes
Confecção de figurino: Judite de Lima
Desenho de cenário: Fernanda Ocanto
Cenotecnia: Dênis Nascimento e Jorge Ferreira
Coordenação de construção de cenário: Jonas Soares
Serralheria: Dalton Nunes
Assessoria de Imprensa Rio de Janeiro: Eduardo Barata
Assessoria de comunicação: Alex Jason
Coordenação administrativo financeiro: Regiane Miciano e Marcos Queiroz
Contabilidade: Inforgrupo
Elaboração e acompanhamento de projeto: Isabella Moraes
Produção Local Rio De Janeiro: Caseiras Produções
Produção Executiva: Rose Campos
Coordenação Geral: Fernanda Vianna
Produção: Oitis Produções Culturais e Miranda
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil

SERVIÇO:

Centro Cultural Banco do Brasil
De quarta a domingo ás 19h.