quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

CAESAR - como construir um império (RJ)



A persuasão pelo discurso

Shakespeare não é apenas o escritor inglês mais lido na Inglaterra, como também é um dos mais lidos no mundo inteiro, graças as numerosas traduções de suas obras. Mas a experiência de “ler” as suas peças, muitas vezes, é limitada apenas por um segmento da sociedade, como artistas, acadêmicos, magistrados... A grande maioria tem acesso ás suas obras através das montagens teatrais.

Atualmente no Rio de Janeiro, estamos simultaneamente com 5 obras em cartaz: Macbeth, Medida por Medida, 2 versões de Hamlet e essa versão de Júlio César intitulada: CAESAR - como construir um império.

Júlio Cesar é uma das tragédias Shakespearianas mais populares. É nela que está a famosa frase “Até tu, Brutus”. Também é uma das tragédias mais curtas e de maior relevância política. O governo de Júlio César efetivamente marcou o final da república romana e o início do império, e Shakespeare imortaliza seus personagens com a honra de serem romanos, mas mesmo assim obscuros em suas retóricas e tensos em suas linguagens.

A montagem de CAESAR - como construir um império, parece se estruturar numa disputa dialética.  Dois adversários, nesse caso dois atores (Carmo Dalla Vecchia e Caco Ciocler), discursando os vários personagens da tragédia, entram numa disputa, puramente verbal, para sustentarem as teses, dos vários personagens que interpretam, evitando assim a derrota com argumentos possíveis.

Alvim estrutura sua montagem como um jogo, onde desde o início já percebemos as regras bem definidas que os atores usarão como ferramentas a seu favor. Como “peças em um tabuleiro”, os dois atores assumem marcações opostas e complementares em cena, em relação ao espaço delimitado pelo cenário e iluminação, também assinados por Roberto Alvim. Ressalto aqui nesse trabalho, a característica do encenador que concebeu e uniu as semióticas (cenário e luz), como ferramentas de sua concepção do fenômeno cênico. Esses elementos, muitas vezes parecem sair do inanimado e assumirem papeis de protagonistas, criando em cena um elenco que vai além dos 2 atores.

A linguagem do espetáculo me lembra muito um jogo de xadrez, quando o diretor institui convenções, como por exemplo, o ator dizendo o texto no escuro, recurso usado para desorientar o adversário e dissimular uma argumentação. O que vemos em cena são os argumentos, de Júlio César, sendo defendidos, dentro de uma estética muito bem conduzida e instituída pelo diretor.

A montagem ainda tem a presença da pianista, Mariana Pasquero Lima, tocando do início ao fim. Esse recurso sonoro parece cronometrar a peça ditando um ritmo já estabelecido. É como se o texto verbal pudesse ser transcrito para as notas musicais, e se fizéssemos a experiência de retirar todo o texto, ainda assim, teríamos um espetáculo musicado de mesma duração e intensidade, ditando em notas musicais os discursos verbais.

Os dois atores duelam dentro das regras da dialética da encenação, que, a meu ver, segue uma pesquisa de forma e estilo sonoro. Carmo Dalla Vecchia e Caco Ciocler, dentro dessa proposta estão vigorosos e com excelentes performances. Percebe-se um alto entendimento do texto, apresentado através de um leque de escolhas convincentes, que impregnam seus argumentos com tons reflexivos e versos contemplativos, que não deixam de serem fortes e contundentes.  Utilizam uma linguagem tensa, que parece exigir uma maior atenção por parte do espectador. Abusam da ironia, como, por exemplo, na fala de Marco Antônio para inflamar a multidão contra os conspiradores, que muitas vezes parecem assumir um tom fantasmagórico quando intercalado aos discursos.

Os dois figurinos de João Pimenta complementam-se e são coerentes com a montagem, pois os interpretes são os muitos Césars, Cássius, Brutus, Marcos Antônios, Cíceros, Senadores, Poetas, Guardas, Cidadãos, e o importante, nesse caso, é se deixar convencer pelo discurso independente de quem esteja discursando.

Júlio César, em CAESAR - como construir um império, mais uma vez deixa a marca de sua atemporalidade, apresentando-nos uma releitura do poder das palavras dentro da natureza do jogo político.

Em cartaz no Teatro de Arena, do Sesc Copacabana, até 06 de março, de sexta a domingo.

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