A persuasão
pelo discurso
Shakespeare não é apenas o escritor inglês mais lido na
Inglaterra, como também é um dos mais lidos no mundo inteiro, graças as
numerosas traduções de suas obras. Mas a experiência de “ler” as suas peças,
muitas vezes, é limitada apenas por um segmento da sociedade, como artistas,
acadêmicos, magistrados... A grande maioria tem acesso ás suas obras através
das montagens teatrais.
Atualmente no Rio de Janeiro, estamos simultaneamente com 5
obras em cartaz: Macbeth, Medida por Medida, 2 versões de Hamlet e essa versão de Júlio
César intitulada: CAESAR - como
construir um império.
Júlio Cesar é uma das tragédias Shakespearianas mais
populares. É nela que está a famosa frase “Até tu, Brutus”. Também é uma das
tragédias mais curtas e de maior relevância política. O governo de Júlio César
efetivamente marcou o final da república romana e o início do império, e
Shakespeare imortaliza seus personagens com a honra de serem romanos, mas mesmo
assim obscuros em suas retóricas e tensos em suas linguagens.
A montagem de CAESAR - como construir um império, parece se estruturar numa disputa
dialética. Dois adversários, nesse caso
dois atores (Carmo Dalla Vecchia e Caco Ciocler), discursando os vários
personagens da tragédia, entram numa disputa, puramente verbal, para
sustentarem as teses, dos vários personagens que interpretam, evitando assim a
derrota com argumentos possíveis.
Alvim estrutura sua montagem como um jogo, onde desde o
início já percebemos as regras bem definidas que os atores usarão como
ferramentas a seu favor. Como “peças em um tabuleiro”, os dois atores assumem
marcações opostas e complementares em cena, em relação ao espaço delimitado
pelo cenário e iluminação, também assinados por Roberto Alvim. Ressalto aqui nesse
trabalho, a característica do encenador que concebeu e uniu as semióticas (cenário
e luz), como ferramentas de sua concepção do fenômeno cênico. Esses elementos,
muitas vezes parecem sair do inanimado e assumirem papeis de protagonistas,
criando em cena um elenco que vai além dos 2 atores.
A linguagem do espetáculo me lembra muito um jogo de xadrez,
quando o diretor institui convenções, como por exemplo, o ator dizendo o texto
no escuro, recurso usado para desorientar o adversário e dissimular uma
argumentação. O que vemos em cena são os argumentos, de Júlio César, sendo
defendidos, dentro de uma estética muito bem conduzida e instituída pelo
diretor.
A montagem ainda tem a presença da pianista, Mariana Pasquero Lima, tocando do início ao fim. Esse recurso sonoro parece cronometrar a peça
ditando um ritmo já estabelecido. É como se o texto verbal pudesse ser
transcrito para as notas musicais, e se fizéssemos a experiência de retirar
todo o texto, ainda assim, teríamos um espetáculo musicado de mesma duração e intensidade,
ditando em notas musicais os discursos verbais.
Os dois atores duelam dentro das regras da dialética da
encenação, que, a meu ver, segue uma pesquisa de forma e estilo sonoro. Carmo
Dalla Vecchia e Caco Ciocler,
dentro dessa proposta estão vigorosos e com excelentes performances. Percebe-se
um alto entendimento do texto, apresentado através de um leque de escolhas convincentes,
que impregnam seus argumentos com tons reflexivos e versos contemplativos, que não
deixam de serem fortes e contundentes.
Utilizam uma linguagem tensa, que parece exigir uma maior atenção por
parte do espectador. Abusam da ironia, como, por exemplo, na fala de Marco
Antônio para inflamar a multidão contra os conspiradores, que muitas vezes
parecem assumir um tom fantasmagórico quando intercalado aos discursos.
Os dois figurinos de João
Pimenta complementam-se e são coerentes com a montagem, pois os interpretes são os muitos Césars, Cássius, Brutus,
Marcos Antônios, Cíceros, Senadores, Poetas, Guardas, Cidadãos, e o importante,
nesse caso, é se deixar convencer pelo discurso independente de quem esteja
discursando.
Júlio César, em CAESAR - como construir um império, mais
uma vez deixa a marca de sua atemporalidade, apresentando-nos uma releitura do poder
das palavras dentro da natureza do jogo político.
Em cartaz no Teatro de Arena, do Sesc Copacabana, até 06 de
março, de sexta a domingo.
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