segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

MACBETH E MEDIDA POR MEDIDA (RJ)




SHAKESPEARE SEM CERIMÔNIA

Shakespeare ocupa um lugar em mim de fascínio e admiração que não me permite fazer qualquer juízo de valores, a não ser aplaudir de pé todas as montagens profissionais e curriculares que suas obras suscitam!!!

Mas a cada nova montagem de uma de suas obras, fica sempre a pergunta: por que montar um Shakespeare hoje em dia? Esse gênio ocupa um lugar de grandeza artística inestimável. Suas contribuições nos âmbitos sociais, artísticos, humanísticos, políticos, históricos e teatrais ultrapassam épocas e comunicam-se com os nossos dias atuais rompendo a barreira do tempo e possibilitando variáveis releituras.

Shakespeare emprega em seus dramas, tragédias e comédias, problemas filosóficos do homem com a natureza, conduzindo em suas obras a dialética da ordem e da desordem, para desabrochar nas filosofias políticas e históricas os intermináveis combates contra os outros e contra si mesmo. Sementes férteis que encontrarão a qualquer época, solos prósperos para se propagarem e se desdobrarem em infinitas mutações criativas.

Partindo dessa premissa, a cada nova incursão rumo ao universo Shakespeariano, procuro me ater às infinitas possibilidades de criação que sua obra desperta, já que as sementes e os solos são férteis, resta, no entanto, admirar as opções estéticas de quem foi despertado por esse gênio. Essa é a atração que me lança ao teatro toda vez que um Shakespeare é concebido.

A Fundação Cidade das Artes, abraça de 19 a 28 de fevereiro de 2016 o projeto intitulado Repertório Shakespeare, composto pelas montagens de Macbeth e Medida por Medida. O gigantesco teatro acolhe a grandiloquência shakespeariana com a tragédia mais sanguinária do autor e a comédia que mais reflete a estranha natureza humana.

O enredo de MACBETH, inicia-se com a profecia de 3 feiticeiras que predizem que Macbeth se tornará Barão de Cawdor e em seguida rei da Escócia, mas que os descendentes de Banquo reinarão em seguida sobre o país. Macbeth atiçado pela ambição de Lady Macbeth, mata Duncan e se faz aclamar rei da Escócia. O novo rei então planeja a morte de Banquo e seus filhos para se manter no poder. Banquo sucumbe, mas um de seus filhos consegue escapar. Macbeth vê-se torturado pelo remorso e Lady Macbeth enlouquece e se suicida. Macbeth é morto e Malcolm, filho de Banquo se torna rei da Escócia, fazendo-se cumprir a profecia.

Em MEDIDA POR MEDIDA, O Duque de Viena designa Ângelo, seu subordinado, a conter toda a imoralidade e corrupção da cidade. O Duque disfarçado de frade, fica à espreita dos acontecimentos, enquanto Ângelo manda fechar bordeis e punir o “abuso sexual” com morte. O jovem Claudio é preso por engravidar a noiva Julieta antes do casamento. Sua irmã, a noviça Isabella intercede tentando reverter a sentença de morte do irmão, porém é chantageada por Ângelo que deseja sua virgindade em troca da vida do irmão. O Duque disfarçado arquiteta todo um plano para desmascarar e combater os malfeitos de Ângelo.

São nesses contextos, que o diretor Ron Daniels, investe numa releitura moderna, sem perder alguns aspectos clássicos renascentistas. Utiliza-se esteticamente da arte contemporânea, na utilização do grande painel localizado ao fundo do cenário, que faz uma releitura do quadro Operários, de Tarsila do Amaral, grafitado por Alexandre Orion. Características, de forma e conteúdo, do teatro clássico são notadas, como por exemplo: a ausência de ação na profundida do palco, um proscênio neutro onde boa parte da ação se desenvolve, os agrupamentos cênicos que são ordenados de formas simultâneas, refletindo uma obediência aos princípios neo-aristotélicos das poéticas renascentistas, onde o ator assume o centro do palco, em posição de importância.

Percebemos o cuidado e a preocupação do encenador em não deixar o texto em segundo plano. As falas bem-ditas, com clareza e muito bem articuladas pelos atores, possibilitam uma boa experiência da arte narrativa Shakespeariana para o espectador, tornando-o cúmplice da história. No Teatro Elisabetano esse recurso de cumplicidade era assegurado pela proximidade entre palco e plateia. Como a arquitetura do teatro Italiano nos oferece uma outra experiência, o diretor favoreceu essa interlocução optando por marcações de cena frontais e no proscênio.

A cenografia de André Cortez, também faz uma alusão a arquitetura do Teatro Elisabetano, com uma instalação cênica semicircular, com entradas e saídas que permitem uma fluidez e agilidade nas trocas de cenas. O interessante é que as duas peças utilizam o mesmo cenário, ficando a cargo dos detalhes no painel ao fundo, que diferem entre as duas montagens.

A sonoplastia de Renato Garcia, em Macbeth, tem a força precisa da sempre eminente presença bélica e sangrenta, que a ambição pelo poder derramou nesse campo de batalha. E em Medida por Medida a leveza sonora, quase farsesca, que a ação sugere.

Os figurinos de Bia Salgado fazem uma releitura dos aspectos do teatro renascentista, apontando trajes históricos e indumentárias alegóricas, de Alex Grilli e Ivete Dibo, que enaltecem o magnifico e o extraordinário, presentes em cenas pontuais de Macbeth e Medida por medida.

Fabio Retti opta, em seu desenho de luz, introduzir elementos contemporâneos em sua concepção. Em Medida por Medida observamos uma maior liberdade de cores, talvez pela própria característica do gênero “comédia” em favorecer uma certa liberdade criativa. Em Macbeth, como a maior parte da ação é noturna, Retti realiza com sucesso um trabalho difícil que é ambientar a noite sem deixar os atores no escuro.  

Parabenizo todos os envolvidos nessa empreitada de sucesso, principalmente os atores (Ana Kutner, André Hendges, Fábio Takeo, Felipe Martins, Giulia Gam, Lourival Prudêncio, Lui Vizotto, Luisa Thiré, Marco Antônio Pâmio, Marcos Suchara, Rafael Losso, Stella de Paula, Sylvio Zilber e Thiago Lacerda), que tiveram a oportunidade de “experienciar” os personagens ricos e contraditórios, impetuosos e frágeis, ambiciosos e transgressores, que são os personagens que Shakespeare nos presenteia. Nas duas encenações os elencos nos apresentam um trabalho muito sólido e seguro dentro de um caminho concebido e proposto pelo diretor/encenador. Desde os papeis principais até os menores papeis são equalizados numa mesma sintonia estética, corroborando para uma unidade muito bem definida intitulada Repertório Shakespeare.

Macbeth
Ana Kutner: Primeira feiticeira e A Enfermeira de Lady Macbeth
André Hendges: Ross, um oficial
Fábio Takeo: Lennox, um official
Felipe Martins: Segunda feiticeira e Seyton, official a serviço de Macbeth
Giulia Gam: Lady Macbeth
Lourival Prudêncio: O Soldado Ensanguentado, O Porteiro e O Médico
Lui Vizotto: Donalbain, o filho mais novo do rei, O filho de Maacduff e Jovem Siward, filho de general Siward
Luisa Thiré: Lady Macduff
Marco Antônio Pâmio: Macduff, um general
Marcos Suchara: Banquo, um general
Rafael Losso: Malcolm, o filho mais velho do rei
Stella de Paula: Terceira Feiticeira e Fleance, filho de Banquo
Sylvio Zilber: Duncan, o rei e Siward, um general
Thiago Lacerda: Macbeth

Medida por Medida
Ana Kutner: Francisca, uma freira e Mariana, uma mulher enganada
André Hendges: O Superintendente
Fábio Takeo: Frei Tomás e O Franchão,um carrasco
Felipe Martins: Cotovelo, um chefe de polícia e Barnabé, um encarcerado
Giulia Gam: Madame Bempassada, uma cafetina
Lourival Prudêncio: Pompeu, um cafetão
Lui Vizotto: Lelé, um rapaz tolo, Frei Bento e Um mensageiro
Luisa Thiré: Isabella, uma noviça
Marco Antônio Pâmio: O Duque
Marcos Suchara: Lúcio, um brincalhão
Rafael Losso: Cláudio, o irmão de Isabella
Stella de Paula: Kátia François, uma prostitute e Julieta, amada de Cláudio
Sylvio Zilber: Éscalo, um juiz
Thiago Lacerda: Ângelo, outro juiz

Ficha técnica:
Texto: William Shakespeare
Tradução: Marcos Daud e Ron Daniels
Concepção e Direção: Ron Daniels

Curadoria Artística: Ruy Cortez
Instalação cênica/Painéis: Alexandre Orion
Instalação Cênica/cenografia: André Cortez
Figurinos: Bia Salgado
Desenho de Luz: Fábio Retti
Composição original: Gregory Slivar
Sonoplastia: Renato Garcia
Diretor Assistente: Gustavo Wabner
Preparação Corporal e direção de movimento: Sueli Guerra
Coordenador de Ação: Dirceu Souza
Visagismo: Westerley Dornellas
PreparaçãoVocal: Lui Vizotto
Preparação de Luta: Rafael Losso
Cenotécnica: Fernando Brettas/ Onozone Studio
Figurinistas assistentes: Alice Salgado e Paulo Barbosa
Indumentária e adereços: Alex Grilli e Ivete Dibo
Costureiras: Francisca Lima Gomes e Marenice Candido de Alcantara
Camareiros: Conceição Telles e Regina Sacramento
Projeto de Sonorização: Kako Guirado
Operador de Som: Renato Garcia
Operador de Luz: Kuka Batista
Diretor de Palco: Ricardo Bessa
Contra-regra: Diro Faria, João Pedro meirelles
Edição de Texto: Valmir Santos
Foto de Cena: João Caldas
Foto do projeto/ Still: Adriano Fagundes
Design Gráfico: 6D
Assessoria de Imprensa: Vanessa Cardoso
Relações Internacionais: Guilherme Marques e Rafael Steinhauser
Administração: Flandia Mattar
Produção de objetos: Robson Montero
Assistencia de produção: Claudia Burbulhan, Diego Bittencourt, Marcele Nogueira e Paulo Franco
Produção executiva: Luísa Barros
Direção de Produção: Érica Teodoro
Idealização: Ron Daniels e Thiago Lacerda
Produção: CIT-Ecum, Pentâmetro TRL
Realização: CIT-Ecum, Pentâmetro, Sesc e TRL

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