sexta-feira, 1 de abril de 2016

BRIMAS (RJ)


Hábitos e Costumes universalmente humanizados


Brimas, que está em sua terceira temporada de sucesso no Teatro Fashion Mall é um dos espetáculos que agradam gregos e troianos, quer dizer, árabes e judeus, graças a sua humanidade tão nua e crua. Em tempos de tantas intolerâncias, esse espetáculo resgata o que há de mais singelo e puro no ser humano, resgata a tradição familiar, nossa ancestralidade. Resgata o companheirismo, a complementariedade, o afeto existente entre as pessoas.

O espetáculo alça voos bem mais altos que a simples sinopse: “Duas senhoras imigrantes, Ester e Marion, revivem, com muito humor, suas histórias, enquanto cozinham quibes para um velório. O riso, a saudade da família e as memórias do passado se misturam nessa história cheia de emoção e sabedoria. ” E isso é surpreendente. Com uma leveza à princípio despretensiosa, Brimas consegue arrebatar a plateia para essa história tão massacrada historicamente pelas guerras e intransigências. Acredito que essa qualidade se deva ao fato da dramaturgia ter sido escrita pelas próprias atrizes (Beth Zalcman e Simone Kalil), que tendo descendências judaica e libanesa, respectivamente, trazem para o palco as suas próprias histórias, lembranças e crenças, o que torna o espetáculo mais forte emocionalmente. Vale lembrar que essa dramaturgia rendeu a indicação ao Prêmio Shell, de melhor autor em 2015.

Beth Zalcman e Simone Kalil são excelentes atrizes, com uma sintonia e cumplicidade muito apurada em cena. É nítido a generosidade das intérpretes que se complementam no jogo de suas memórias. As duas resolvem seus personagens com muito respeito e devoção saudosista que contagia a plateia. Uma vez na história, não dá para largá-las. Dá vontade de trazê-las para casa, e olha que não são pelos seus quibes e bom humor, mas, sim, pela carga humana que despejam em cena. Parabéns!!! Não dá para não nos emocionar com vocês duas.

A direção está a cargo de Luiz Antônio Rocha, que conduz a encenação e as duas atrizes, magistralmente. O que a princípio nos revela despretensioso, ganha todo requinte nas mãos desse sensível diretor, que imprime a sua marca com muita competência. Em Brimas temos uma direção limpa, precisa e esteticamente produtiva. Luiz Antônio, com sua direção, consegue transferir toda a emoção das atrizes em belos quadros cênicos. As imagens que as duas projetam com as formas de quibes e suas lembranças, são de arrepiar. Só mesmo um diretor inteligente e entregue ao trabalho para fazer da tradição dessa “cultura-culinária”, um recurso cênico inteligente e digno de aplausos.

O cenário de Toninho Lôbo endossa mais ainda a credibilidade dessa história que aposta na composição de vários tipos e tamanhos de malas para, ao mesmo tempo, criar os ambientes do espetáculo e a atmosfera dessas personagens de “eternas imigrantes”. O cenário já nos convida a essa viagem nas crenças e tradições árabes-judaicas.  

Assim como a cenografia, os figurinos de Claudia Goldbach também endossam essa credibilidade na história contada.

O que me chama atenção nesse espetáculo é que nenhum elemento se sobrepuja ao outro, todos se destacam na sua complementariedade. Por isso vejo nesse espetáculo o que há de mais honesto para um artista, sua arte e sua vida. E é nesse sentido, que Brimas, despretensiosamente marca o seu lugar na cena teatral carioca. Parabéns para todos os envolvidos, pois Brimas é uma joia que deve ser sempre passada de geração para geração, um espetáculo necessário, que esclarece muito de uma cultura muitas vezes julgada erradamente. Como boa descendente de sírios, não poderia deixar de mandar esse recado.

terça-feira, 15 de março de 2016

PLÍNIO, A história do Maldito Bendito (RJ)


COM TODO RESPEITO AO NOSSO “MALDITO BENDITO”


Se me perguntassem hoje o que é ser ator, eu responderia: Vá assistir Plinio, A história do Maldito Bendito, que depois a gente conversa! Daria um lenço, esperaria uns 3 dias para que a pessoa digerisse o que viu e ouviu, e aí, sim, começaríamos o nosso diálogo com a seguinte resposta-pergunta: Por que você quer ser ator? Acho que seríamos acometidos por uma expressiva pausa dramática ////

Digo isso, porque Roberto Bomtempo está nos presenteando com a possibilidade de conhecermos mais sobre o nosso teatro e os nossos autores. Está mostrando também para o leigo, o dito “público comum”, um pouco da árdua profissão do ator; e para os aspirantes que querem se aventurar nessa carreira, a dura realidade.

O que temos em PLÍNIO é a celebração de uma vida e obra dedicadas ao teatro. O espetáculo é um recorte muito bem escrito por Mauricio Arruda Mendonça, que soube extrair o que há de mais humano na vida de Plínio, o que há de eterno na obra desse “maldito bendito”, o que há de “clássico” na brutal denúncia de suas peças, que parece continuar inalterada até hoje, e o que há de real no dia a dia dessa profissão de ator. A maneira como Arruda conduz o seu texto, mesclando história, vida e arte transforma o espetáculo numa verdadeira aula de teatro, desde a teoria à prática, graças a excelente interpretação de Roberto Bomtempo.

A dramaturgia do monólogo consegue inserir o espectador dentro do jogo através de uma ferramenta “mística”, que Plínio Marcos conhecia muito bem, e usava para sobreviver: o TARO! Ops! Mas Plínio não era escritor e ator? Sim, mas também estava nas estatísticas dos 99,9% dos atores que não conseguem sobreviver do seu trabalho. Além de tirar cartas de taro, Plinio também vendia seus livros nos bares, nas ruas, nas portas dos teatros, ... outra ferramenta utilizada para alavancar humanamente a dramaturgia e legitimar a triste miséria sofrida, mas maldita bendita história de um ser humano que só queria trabalhar e que fora sempre impedido pela censura. Para se ter uma ideia, sua peça Barrela, escrita em 1957, só pôde ser encenada 21 anos depois, em 1978, que continuava atual, e, inclusive, até hoje!!!

Mas não só por esses motivos, que já são muitos, e que valem a ida ao Teatro Gláucio Gill, o elemento principal dessa peça é, sem dúvida, a vida que Roberto Bomtempo dá ao seu personagem, mostrando mais uma vez o grande ator que todos nós sabemos que ele é. Bomtempo, com sua sensibilidade investe no caráter humano de Plínio. Na simplicidade de sua narração ele nos revela o submundo daquele “camelô de histórias”. É nítido o alto grau de comprometimento e paixão que o ator dispende ao contar essa história e também o respeito e cuidado na palavra, para que não haja distorções no sentido ideológico-político. O espetáculo, embora responda muito bem ao atual momento político do Brasil, não se corrompe “panfletariamente”. O que temos em cena é a honestidade de um excelente ator a serviço de seu ofício. Palmas para você e palmas para o público que está conhecendo, através do seu trabalho, o trabalho de um homem, que, no fundo, SÓ QUERIA TRABALHAR!!!

Completando essa magia, está a sutil direção de Silvio Guindane, que define essa peça como: “Este espetáculo fala sobre sonhos”. Acredito que deva ser mesmo um sonho trabalhar com um autor dessa dilaceração impulsiva, com um dramaturgo que soube captar a essência humana desse Plinio e com um ator totalmente disponível e disposto a se jogar nesse picadeiro de emoções. Parabéns pela ótima e generosa direção, que caminha junto, à serviço do coletivo, e que não pretende se sobrepor, e, sim, contribuir com o espetáculo.

A cenografia de Daniele Geammal, tem uma qualidade “nua e crua”, seca e áspera que adjetiva o que foi a vida de Plínio Marcos, além de dar forma ao “picadeiro”, que foi onde tudo começou para o artista.

Em sintonia com toda a atmosfera do espetáculo está a iluminação de Daniel Galvan e o figurino de Mel Akerman. O que vejo em cena é o resultado de muita paixão, aliado com competentes profissionais que, generosamente souberam respeitar essa grande homenagem, a esse grande homem de teatro que foi PLÍNIO MARCOS!!!!

Parabéns e vida longa ao espetáculo!!!


segunda-feira, 14 de março de 2016

CHABADABADÁ, manual prático do macho jurubeba (RJ)


O MACHO QUE ESTÁ MAIS PARA WANDO DO QUE PARA SHAKESPEARE

OU
O MACHISTA PÓS-MACHISMO

Certa vez sendo entrevistado num congresso sobre semiologias do espetáculo, em Milão, o professor Umberto Eco declarou: “o teatro é um lugar de condensação e convergência de semióticas diversas”. E é sobre esse aspecto que me atrevo, com muito prazer, a escrever sobre esse espetáculo em forma de manual, de autoajuda, de muita diversão em prosa e verso, e que faz jus a uma boa comédia de costumes.

Chabadabadá, manual prático do homem jurubeba, se condensa no nosso mais característico gênero do teatro brasileiro, transformando prosas, crônicas, contos e “poesia musicada” numa dramaturgia divertida e bem-humorada do cotidiano do macho que guarda feijão no pote de sorvete, que usa pomada Minâncora, e que não se rende as “modernagens” tendências dos metrossexuais.

O texto da peça é extraído do livro de Xico Sá, intitulado “Chabadabadá, o qual faz referência à trilha do filme “Um Homem, Uma Mulher”, obra-prima de Claude Lelouch. Mas aqui na peça Chabadadá é o nome do programa de rádio apresentado por Francisco Reginaldo (impecavelmente interpretado por Marcos França), um típico macho Jurubeba que responde a todas as perguntas das ouvintes “mal-amadas”, em busca de um consolo sentimental.

Marcos França também assina a dramaturgia do espetáculo, que dialoga com as pertinentes músicas bregas, do romântico cantor Wando, construindo um harmônico espetáculo, com uma atmosfera cômica, estruturado através dos códigos sociais bregas existentes na nossa sociedade.

Com um texto e uma dramaturgia popular da melhor qualidade, sem medo de ser “cafona”, Marcos França se lança, sem reservas, a interpretar, como já dissemos, impecavelmente o consultor sentimental. Só mesmo um ator maduro e seguro do seu trabalho é capaz de dar vida a um personagem que já nasceu caricato, sem ser “canastra”, sem usar de truques e gracejos para dominar a plateia. Marcos tem um carisma contagiante que extrai boas risadas da plateia sem precisar ser ofensivo e grosseiro, mas sabendo utilizar, a seu favor e com inteligência, essa semiologia da linguagem do espetáculo que transita na sátira, na “amoralidade”, no espirituoso e na ironia. Marcos também se preocupou em construir vocalmente seu personagem. Para quem conhece o ator, sabe que ele não tem aquela voz. Brilhante!!! Muito coerente com a construção física, imprimindo mais credibilidade ao jogo. É uma delícia vê-lo em cena, ou melhor, vê-los em cena, pois o músico André Siqueira divide o palco com o ator, em “chique” contraponto ao “macho-jurubeba”.

A direção de Thelmo Fernandes é limpa, precisa e “séria”, sem grifar o que já é cómico, e engraçado, confiando na própria linguagem do texto que dá conta desse recado.

Outro elemento muito importante de composição, é o figurino de Natália Lana, que exerce um papel temporal ao acrescentar e modificar, grotescamente, a roupa do personagem de maneira tão bem alinhavada no enredo, que imprime a sensação de termos assistido vários programas, do Chabadadá, em dias diferentes.

Natália Lana também assina o enxuto cenário da montagem com muita simplicidade funcional, deixando espaço para a excelente contribuição de Aurélio de Simoni, que além de trazer, com a iluminação, volume ao espetáculo, compõe um cenário de show que é intercalado à narrativa textual do espetáculo, convergindo na medida certa para o equilíbrio da peça.  

E por fim, não poderíamos deixar de ressaltar mais um belíssimo trabalho produzido pela Diálogo da Arte!

Chabadabadá é um espetáculo leve, compacto, divertido, muitíssimo bem-humorado, realizado com muita seriedade por profissionais nada aventureiros e que dignificam o nosso teatro.
Viva!!!
Desejo vida longa ao merecido sucesso!!!

SERVIÇO:

Teatro Ipanema.
Até 27 de março de 2016.
Sextas, sábados e domingos, às 20h.


quarta-feira, 2 de março de 2016

O CAPOTE (RJ)


Tragicômico resgate póstumo


Como bem apontou Vladimir Nabókov, “a literatura de Gógol nos apresenta, mais do que temas e ideias, um verdadeiro prodígio de procedimentos artísticos”.  Suas prosas russas e narrativas breves influenciaram para sempre a literatura universal, obtendo o reconhecimento de, nada menos, que outro gigante de sua época, Dostoiévski, que o consagrou na célebre frase: “ Todos nós saímos do Capote de Gógol”.

É na simplicidade de uma anedota, que Gógol estrutura o seu conto: um pequeno funcionário que morre depois de ter seu Capote roubado, o qual adquiriu após anos de sacrifício. Com um olhar romântico e tragicômico, o dramaturgo registra com muita criatividade as características humanas em seus personagens, conferindo-lhes qualidades, defeitos, frustrações, humor e sabedoria popular. Com uma narrativa fantástica, Nikolai Gógol nos apresenta os “causos” de suas novelas.

Em cartaz até 13 de março, no CCBB, a bem-sucedida montagem de “O Capote” é um dos espetáculos IMPERDÍVEIS atualmente no Rio de Janeiro. Expostas as devidas proporções ao autor já mencionado, o espetáculo em questão reconstrói as desventuras do protagonista Akaki Akakievitch, num jogo potente e fluido, estruturado equilibradamente com narrativas, diálogos, sons e intervenções em vídeo. Esses 4 elementos conferem uma dinâmica ao texto sem perder a essência singela do conto e o caráter humano característico de Gógol.

A “fantástica” adaptação ficou a cargo de Dráuzio Varella, que inicialmente escreveu um monólogo sobre as desventuras de Akaki. Segundo o ator Rodolfo Vaz, que interpreta o protagonista, foi em sala de ensaio, com o dramaturgo Cássio Pires, e a diretora Yara Novaes, que surgiram os outros 2 personagens/narradores, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas, que ainda dividem o palco com a musicista Sarah Assis.

O Capote é um espetáculo preciso, que articula com muita funcionalidade o gênero narrativo com a linguagem dramática. A adaptação de Dráuzio Varella cria uma abertura criativa para a inserção de elementos sonoros e visuais que não descaracterizam o conto. A condução da história é muito objetiva e bem “amarrada” dramaturgicamente, pelo trabalho de Cassio Pires, que alcança a sua finalidade que é manter o espectador no enredo.

A direção de Yara Novaes tem uma “requintada” simplicidade que surpreende o espectador a cada cena com uma ebulição visual/criativa, pautada no material humano dos atores. Nada é gratuito na encenação. As escolhas estéticas que unem outras linguagens ao drama, partem da construção da realidade pelo herói em cena. Os sons e imagens projetadas são extensões sonoras e visuais do humano, exprimindo pensamentos, ideais, sensações dos personagens, além de criarem espaços urbanos, objetos e lugares. As inserções desses elementos não interrompem a narrativa, muito pelo contrário, impulsiona a história agregando mais significado e expressão a fábula de Akaki Akakievitch.

Fica nítido o respeito e a cumplicidade entre os três excepcionais atores que narram as desventuras de Akaki. Rodolfo Vaz, constrói seu humilhado e ofendido Akakievitch com riquezas de detalhes, comprovando, em mais um trabalho bem realizado, o grande ator que é, sempre disponível à criação. É impossível não se comover e ao mesmo tempo não rir com esse ser humano em forma de personagem, ou personagem construído de forma tão humana. O ator tem uma verdade cênica e um domínio de palco marcantes. Suas qualidades nos possibilita uma viagem sem volta ao mundo de Gógol. Ora narrando os fatos e ora vivenciando as ações de seu personagem, Vaz transita com muita propriedade dentro da linguagem do espetáculo.

Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas não são meros coadjuvantes ou personagens “escada” para o protagonista. Os dois, além de também narrarem o espetáculo, interpretarem os personagens que cruzam a existência de Akaki Akakievitch: o alfaiate Pietróvitch, o figurão, os funcionários da repartição e os ladrões do capote, fazem a “engrenagem” cênica avançar, construindo visualmente os caminhos da encenação.

É um enorme prazer vê-los em cena e presenciarmos a espontaneidade do público que os “aplaudem em cena aberta”, não se contendo em esperarem o final do espetáculo para que de pé, manifestem a satisfação proporcionada.

O cenário e figurinos de André Cortez funcionam em perfeita harmonia para oferecer ao público uma sensação gogoliana. As 3 mesas oferecem uma dinâmica de construção das cenas, que, junto com as projeções, o som ao vivo, realizado por Sarah Assis, e os atores, “costuram” um novo Capote, muito bem “alinhavado”.

O fechamento do conto tem uma característica fantástica, quase carnavalesca, onde o personagem protagonista, depois de morto, volta a assombrar a cidade e as pessoas, para recuperar o seu capote. Um momento delicado e que poderia passar uma rasteira na montagem, mas não é o que acontece. Brilhantemente de uma forma simbólica, sem ser caricato, agressivo, e sem destoar da concepção do espetáculo, Rodolfo Vaz e seu Akaki Akakievitch, agora póstumo, não se resignam, permanecendo vivos e consagrados nessa bem-sucedida montagem de “O Capote”.

FICHA TÉCNICA:

Autor: Nikolai Gógol
Direção: Yara de Novaes
Elenco: Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas
Musicista: Sarah Assis
Adaptação: Drauzio Varella
Dramaturgismo: Cássio Pires
Cenografia e figurinos: André Cortez
Videoarte e design de projeção: Rogério Velloso
Trilha sonora e música original: Dr Morris
Preparação corporal e assistência de direção: Kenia Dias
Çriação de Luz: Bruno Cerezoli
Visagismo: Leopoldo Pacheco
Arte e projeto gráfico: Lápis Raro
Fotografia: João Caldas
Direção de imagens: Rogério Velloso e George Queiroz
Vídeo release: George Queiroz
Composição digital: Saulo Silva
Mapping: Daniel Todeschi
Pesquisa de Imagens: Procuradoria de Filmes
Assistência de figurino: J. E. Tico Gomes
Confecção de figurino: Judite de Lima
Desenho de cenário: Fernanda Ocanto
Cenotecnia: Dênis Nascimento e Jorge Ferreira
Coordenação de construção de cenário: Jonas Soares
Serralheria: Dalton Nunes
Assessoria de Imprensa Rio de Janeiro: Eduardo Barata
Assessoria de comunicação: Alex Jason
Coordenação administrativo financeiro: Regiane Miciano e Marcos Queiroz
Contabilidade: Inforgrupo
Elaboração e acompanhamento de projeto: Isabella Moraes
Produção Local Rio De Janeiro: Caseiras Produções
Produção Executiva: Rose Campos
Coordenação Geral: Fernanda Vianna
Produção: Oitis Produções Culturais e Miranda
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil

SERVIÇO:

Centro Cultural Banco do Brasil
De quarta a domingo ás 19h.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

CAESAR - como construir um império (RJ)



A persuasão pelo discurso

Shakespeare não é apenas o escritor inglês mais lido na Inglaterra, como também é um dos mais lidos no mundo inteiro, graças as numerosas traduções de suas obras. Mas a experiência de “ler” as suas peças, muitas vezes, é limitada apenas por um segmento da sociedade, como artistas, acadêmicos, magistrados... A grande maioria tem acesso ás suas obras através das montagens teatrais.

Atualmente no Rio de Janeiro, estamos simultaneamente com 5 obras em cartaz: Macbeth, Medida por Medida, 2 versões de Hamlet e essa versão de Júlio César intitulada: CAESAR - como construir um império.

Júlio Cesar é uma das tragédias Shakespearianas mais populares. É nela que está a famosa frase “Até tu, Brutus”. Também é uma das tragédias mais curtas e de maior relevância política. O governo de Júlio César efetivamente marcou o final da república romana e o início do império, e Shakespeare imortaliza seus personagens com a honra de serem romanos, mas mesmo assim obscuros em suas retóricas e tensos em suas linguagens.

A montagem de CAESAR - como construir um império, parece se estruturar numa disputa dialética.  Dois adversários, nesse caso dois atores (Carmo Dalla Vecchia e Caco Ciocler), discursando os vários personagens da tragédia, entram numa disputa, puramente verbal, para sustentarem as teses, dos vários personagens que interpretam, evitando assim a derrota com argumentos possíveis.

Alvim estrutura sua montagem como um jogo, onde desde o início já percebemos as regras bem definidas que os atores usarão como ferramentas a seu favor. Como “peças em um tabuleiro”, os dois atores assumem marcações opostas e complementares em cena, em relação ao espaço delimitado pelo cenário e iluminação, também assinados por Roberto Alvim. Ressalto aqui nesse trabalho, a característica do encenador que concebeu e uniu as semióticas (cenário e luz), como ferramentas de sua concepção do fenômeno cênico. Esses elementos, muitas vezes parecem sair do inanimado e assumirem papeis de protagonistas, criando em cena um elenco que vai além dos 2 atores.

A linguagem do espetáculo me lembra muito um jogo de xadrez, quando o diretor institui convenções, como por exemplo, o ator dizendo o texto no escuro, recurso usado para desorientar o adversário e dissimular uma argumentação. O que vemos em cena são os argumentos, de Júlio César, sendo defendidos, dentro de uma estética muito bem conduzida e instituída pelo diretor.

A montagem ainda tem a presença da pianista, Mariana Pasquero Lima, tocando do início ao fim. Esse recurso sonoro parece cronometrar a peça ditando um ritmo já estabelecido. É como se o texto verbal pudesse ser transcrito para as notas musicais, e se fizéssemos a experiência de retirar todo o texto, ainda assim, teríamos um espetáculo musicado de mesma duração e intensidade, ditando em notas musicais os discursos verbais.

Os dois atores duelam dentro das regras da dialética da encenação, que, a meu ver, segue uma pesquisa de forma e estilo sonoro. Carmo Dalla Vecchia e Caco Ciocler, dentro dessa proposta estão vigorosos e com excelentes performances. Percebe-se um alto entendimento do texto, apresentado através de um leque de escolhas convincentes, que impregnam seus argumentos com tons reflexivos e versos contemplativos, que não deixam de serem fortes e contundentes.  Utilizam uma linguagem tensa, que parece exigir uma maior atenção por parte do espectador. Abusam da ironia, como, por exemplo, na fala de Marco Antônio para inflamar a multidão contra os conspiradores, que muitas vezes parecem assumir um tom fantasmagórico quando intercalado aos discursos.

Os dois figurinos de João Pimenta complementam-se e são coerentes com a montagem, pois os interpretes são os muitos Césars, Cássius, Brutus, Marcos Antônios, Cíceros, Senadores, Poetas, Guardas, Cidadãos, e o importante, nesse caso, é se deixar convencer pelo discurso independente de quem esteja discursando.

Júlio César, em CAESAR - como construir um império, mais uma vez deixa a marca de sua atemporalidade, apresentando-nos uma releitura do poder das palavras dentro da natureza do jogo político.

Em cartaz no Teatro de Arena, do Sesc Copacabana, até 06 de março, de sexta a domingo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

MACBETH E MEDIDA POR MEDIDA (RJ)




SHAKESPEARE SEM CERIMÔNIA

Shakespeare ocupa um lugar em mim de fascínio e admiração que não me permite fazer qualquer juízo de valores, a não ser aplaudir de pé todas as montagens profissionais e curriculares que suas obras suscitam!!!

Mas a cada nova montagem de uma de suas obras, fica sempre a pergunta: por que montar um Shakespeare hoje em dia? Esse gênio ocupa um lugar de grandeza artística inestimável. Suas contribuições nos âmbitos sociais, artísticos, humanísticos, políticos, históricos e teatrais ultrapassam épocas e comunicam-se com os nossos dias atuais rompendo a barreira do tempo e possibilitando variáveis releituras.

Shakespeare emprega em seus dramas, tragédias e comédias, problemas filosóficos do homem com a natureza, conduzindo em suas obras a dialética da ordem e da desordem, para desabrochar nas filosofias políticas e históricas os intermináveis combates contra os outros e contra si mesmo. Sementes férteis que encontrarão a qualquer época, solos prósperos para se propagarem e se desdobrarem em infinitas mutações criativas.

Partindo dessa premissa, a cada nova incursão rumo ao universo Shakespeariano, procuro me ater às infinitas possibilidades de criação que sua obra desperta, já que as sementes e os solos são férteis, resta, no entanto, admirar as opções estéticas de quem foi despertado por esse gênio. Essa é a atração que me lança ao teatro toda vez que um Shakespeare é concebido.

A Fundação Cidade das Artes, abraça de 19 a 28 de fevereiro de 2016 o projeto intitulado Repertório Shakespeare, composto pelas montagens de Macbeth e Medida por Medida. O gigantesco teatro acolhe a grandiloquência shakespeariana com a tragédia mais sanguinária do autor e a comédia que mais reflete a estranha natureza humana.

O enredo de MACBETH, inicia-se com a profecia de 3 feiticeiras que predizem que Macbeth se tornará Barão de Cawdor e em seguida rei da Escócia, mas que os descendentes de Banquo reinarão em seguida sobre o país. Macbeth atiçado pela ambição de Lady Macbeth, mata Duncan e se faz aclamar rei da Escócia. O novo rei então planeja a morte de Banquo e seus filhos para se manter no poder. Banquo sucumbe, mas um de seus filhos consegue escapar. Macbeth vê-se torturado pelo remorso e Lady Macbeth enlouquece e se suicida. Macbeth é morto e Malcolm, filho de Banquo se torna rei da Escócia, fazendo-se cumprir a profecia.

Em MEDIDA POR MEDIDA, O Duque de Viena designa Ângelo, seu subordinado, a conter toda a imoralidade e corrupção da cidade. O Duque disfarçado de frade, fica à espreita dos acontecimentos, enquanto Ângelo manda fechar bordeis e punir o “abuso sexual” com morte. O jovem Claudio é preso por engravidar a noiva Julieta antes do casamento. Sua irmã, a noviça Isabella intercede tentando reverter a sentença de morte do irmão, porém é chantageada por Ângelo que deseja sua virgindade em troca da vida do irmão. O Duque disfarçado arquiteta todo um plano para desmascarar e combater os malfeitos de Ângelo.

São nesses contextos, que o diretor Ron Daniels, investe numa releitura moderna, sem perder alguns aspectos clássicos renascentistas. Utiliza-se esteticamente da arte contemporânea, na utilização do grande painel localizado ao fundo do cenário, que faz uma releitura do quadro Operários, de Tarsila do Amaral, grafitado por Alexandre Orion. Características, de forma e conteúdo, do teatro clássico são notadas, como por exemplo: a ausência de ação na profundida do palco, um proscênio neutro onde boa parte da ação se desenvolve, os agrupamentos cênicos que são ordenados de formas simultâneas, refletindo uma obediência aos princípios neo-aristotélicos das poéticas renascentistas, onde o ator assume o centro do palco, em posição de importância.

Percebemos o cuidado e a preocupação do encenador em não deixar o texto em segundo plano. As falas bem-ditas, com clareza e muito bem articuladas pelos atores, possibilitam uma boa experiência da arte narrativa Shakespeariana para o espectador, tornando-o cúmplice da história. No Teatro Elisabetano esse recurso de cumplicidade era assegurado pela proximidade entre palco e plateia. Como a arquitetura do teatro Italiano nos oferece uma outra experiência, o diretor favoreceu essa interlocução optando por marcações de cena frontais e no proscênio.

A cenografia de André Cortez, também faz uma alusão a arquitetura do Teatro Elisabetano, com uma instalação cênica semicircular, com entradas e saídas que permitem uma fluidez e agilidade nas trocas de cenas. O interessante é que as duas peças utilizam o mesmo cenário, ficando a cargo dos detalhes no painel ao fundo, que diferem entre as duas montagens.

A sonoplastia de Renato Garcia, em Macbeth, tem a força precisa da sempre eminente presença bélica e sangrenta, que a ambição pelo poder derramou nesse campo de batalha. E em Medida por Medida a leveza sonora, quase farsesca, que a ação sugere.

Os figurinos de Bia Salgado fazem uma releitura dos aspectos do teatro renascentista, apontando trajes históricos e indumentárias alegóricas, de Alex Grilli e Ivete Dibo, que enaltecem o magnifico e o extraordinário, presentes em cenas pontuais de Macbeth e Medida por medida.

Fabio Retti opta, em seu desenho de luz, introduzir elementos contemporâneos em sua concepção. Em Medida por Medida observamos uma maior liberdade de cores, talvez pela própria característica do gênero “comédia” em favorecer uma certa liberdade criativa. Em Macbeth, como a maior parte da ação é noturna, Retti realiza com sucesso um trabalho difícil que é ambientar a noite sem deixar os atores no escuro.  

Parabenizo todos os envolvidos nessa empreitada de sucesso, principalmente os atores (Ana Kutner, André Hendges, Fábio Takeo, Felipe Martins, Giulia Gam, Lourival Prudêncio, Lui Vizotto, Luisa Thiré, Marco Antônio Pâmio, Marcos Suchara, Rafael Losso, Stella de Paula, Sylvio Zilber e Thiago Lacerda), que tiveram a oportunidade de “experienciar” os personagens ricos e contraditórios, impetuosos e frágeis, ambiciosos e transgressores, que são os personagens que Shakespeare nos presenteia. Nas duas encenações os elencos nos apresentam um trabalho muito sólido e seguro dentro de um caminho concebido e proposto pelo diretor/encenador. Desde os papeis principais até os menores papeis são equalizados numa mesma sintonia estética, corroborando para uma unidade muito bem definida intitulada Repertório Shakespeare.

Macbeth
Ana Kutner: Primeira feiticeira e A Enfermeira de Lady Macbeth
André Hendges: Ross, um oficial
Fábio Takeo: Lennox, um official
Felipe Martins: Segunda feiticeira e Seyton, official a serviço de Macbeth
Giulia Gam: Lady Macbeth
Lourival Prudêncio: O Soldado Ensanguentado, O Porteiro e O Médico
Lui Vizotto: Donalbain, o filho mais novo do rei, O filho de Maacduff e Jovem Siward, filho de general Siward
Luisa Thiré: Lady Macduff
Marco Antônio Pâmio: Macduff, um general
Marcos Suchara: Banquo, um general
Rafael Losso: Malcolm, o filho mais velho do rei
Stella de Paula: Terceira Feiticeira e Fleance, filho de Banquo
Sylvio Zilber: Duncan, o rei e Siward, um general
Thiago Lacerda: Macbeth

Medida por Medida
Ana Kutner: Francisca, uma freira e Mariana, uma mulher enganada
André Hendges: O Superintendente
Fábio Takeo: Frei Tomás e O Franchão,um carrasco
Felipe Martins: Cotovelo, um chefe de polícia e Barnabé, um encarcerado
Giulia Gam: Madame Bempassada, uma cafetina
Lourival Prudêncio: Pompeu, um cafetão
Lui Vizotto: Lelé, um rapaz tolo, Frei Bento e Um mensageiro
Luisa Thiré: Isabella, uma noviça
Marco Antônio Pâmio: O Duque
Marcos Suchara: Lúcio, um brincalhão
Rafael Losso: Cláudio, o irmão de Isabella
Stella de Paula: Kátia François, uma prostitute e Julieta, amada de Cláudio
Sylvio Zilber: Éscalo, um juiz
Thiago Lacerda: Ângelo, outro juiz

Ficha técnica:
Texto: William Shakespeare
Tradução: Marcos Daud e Ron Daniels
Concepção e Direção: Ron Daniels

Curadoria Artística: Ruy Cortez
Instalação cênica/Painéis: Alexandre Orion
Instalação Cênica/cenografia: André Cortez
Figurinos: Bia Salgado
Desenho de Luz: Fábio Retti
Composição original: Gregory Slivar
Sonoplastia: Renato Garcia
Diretor Assistente: Gustavo Wabner
Preparação Corporal e direção de movimento: Sueli Guerra
Coordenador de Ação: Dirceu Souza
Visagismo: Westerley Dornellas
PreparaçãoVocal: Lui Vizotto
Preparação de Luta: Rafael Losso
Cenotécnica: Fernando Brettas/ Onozone Studio
Figurinistas assistentes: Alice Salgado e Paulo Barbosa
Indumentária e adereços: Alex Grilli e Ivete Dibo
Costureiras: Francisca Lima Gomes e Marenice Candido de Alcantara
Camareiros: Conceição Telles e Regina Sacramento
Projeto de Sonorização: Kako Guirado
Operador de Som: Renato Garcia
Operador de Luz: Kuka Batista
Diretor de Palco: Ricardo Bessa
Contra-regra: Diro Faria, João Pedro meirelles
Edição de Texto: Valmir Santos
Foto de Cena: João Caldas
Foto do projeto/ Still: Adriano Fagundes
Design Gráfico: 6D
Assessoria de Imprensa: Vanessa Cardoso
Relações Internacionais: Guilherme Marques e Rafael Steinhauser
Administração: Flandia Mattar
Produção de objetos: Robson Montero
Assistencia de produção: Claudia Burbulhan, Diego Bittencourt, Marcele Nogueira e Paulo Franco
Produção executiva: Luísa Barros
Direção de Produção: Érica Teodoro
Idealização: Ron Daniels e Thiago Lacerda
Produção: CIT-Ecum, Pentâmetro TRL
Realização: CIT-Ecum, Pentâmetro, Sesc e TRL

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

RACE (RJ)


“Nada do que é humano me é estranho”


Muitos autores e dramaturgos como Shakespeare e Machado de Assis, já fizeram uso dessa frase. Mas ela é de autoria de Terêncio, dramaturgo e poeta romano, africano, nascido entre 195-185 a.C. Mas se ela tivesse sido dita por um dos personagens criados por David Mamet, para a peça RACE, poderíamos, sem dúvida atribuí-la ao dramaturgo norte americano. 

Em RACE, Mamet, magistralmente utiliza o duplo significado da palavra: “Raça e Corrida” para radiografar a espécie humana e nos apresentar um belíssimo texto. E, diga-se de, antemão, que o diretor (Gustavo Paso) e o tradutor (Leo Falcão) foram muito felizes em não traduzir o título, pois seria empobrecer e unilateralizar os questionamentos propostos pelo autor. Pois, enquanto humanos, somos todos semelhantes, e nada nos é estranho. Mas também em determinadas circunstâncias oportunas e necessárias, somos capazes de cometer atos heroicos e até os mais vis e deploráveis.


No drama em questão, o Bilionário Charles (Yashar Zambuzzi) procura um escritório de advocacia para defende-lo da acusação de estupro. Um enredo aparentemente simples, mas acrescente a ele os seguintes fatos: A vítima é jovem e negra. O acusado é branco e bilionário. Os sócios do escritório de advocacia: Jack (Gustavo Falcão), branco; TJ (Luciano Quirino), negro e Suzan (Heloisa Jorge), negra. Esses ingredientes fazem de Race um texto premiado internacionalmente. Com diálogos primorosos, os dois advogados constroem a defesa do cliente enriquecendo a trama em detalhes e abrindo discussões sobre: racismo, poder, mentira e manipulação. Certos que vencerão o caso, os advogados constroem uma defesa convincente em cima do “vestido de lantejoulas”.

Só que nesta corrida, quem sai em sentido contrário é Susan, inflamando ainda mais a discussão sobre questões raciais, levando-a as últimas consequências. Não quero contar toda a história, são muitas sutilezas, muitos pontos de vistas, muitas reviravoltas, muitas surpresas, muuuuitas discussões, e é por isso que é um excelente teatro.

Mamet amplia a discussão criando dois personagens negros com pontos de vistas completamente opostos. Traz questões sociais e de gênero racial, traz questões humanas, éticas e morais, e é aí que está a grande identificação com o público.


Gustavo Passo assina essa belíssima direção, nos apresenta um texto denso completamente gostoso de ser digerido. 


Os quatro atores em cena estão executando um refinado trabalho de ator. Gustavo Falcão está indicado ao Premio Shell de Melhor Ator.

 
Race encerra a temporada nesse domingo, 21 de fevereiro, mas ainda dá tempo!


sábado às 21h e domingo às 19h. Teatro Poeirinha.


Não percam!!!!!