SHAKESPEARE SEM CERIMÔNIA
Shakespeare ocupa um lugar em mim de fascínio e
admiração que não me permite fazer qualquer juízo de valores, a não ser
aplaudir de pé todas as montagens profissionais e curriculares que suas obras
suscitam!!!
Mas a cada nova montagem de uma de suas obras, fica
sempre a pergunta: por que montar um Shakespeare hoje em dia? Esse gênio ocupa
um lugar de grandeza artística inestimável. Suas contribuições nos âmbitos sociais,
artísticos, humanísticos, políticos, históricos e teatrais ultrapassam épocas e
comunicam-se com os nossos dias atuais rompendo a barreira do tempo e
possibilitando variáveis releituras.
Shakespeare emprega em seus dramas, tragédias e
comédias, problemas filosóficos do homem com a natureza, conduzindo em suas
obras a dialética da ordem e da desordem, para desabrochar nas filosofias
políticas e históricas os intermináveis combates contra os outros e contra si
mesmo. Sementes férteis que encontrarão a qualquer época, solos prósperos para
se propagarem e se desdobrarem em infinitas mutações criativas.
Partindo dessa premissa, a cada nova incursão rumo
ao universo Shakespeariano, procuro me ater às infinitas possibilidades de
criação que sua obra desperta, já que as sementes e os solos são férteis,
resta, no entanto, admirar as opções estéticas de quem foi despertado por esse
gênio. Essa é a atração que me lança ao teatro toda vez que um Shakespeare é concebido.
A Fundação Cidade das Artes, abraça de 19 a 28 de
fevereiro de 2016 o projeto intitulado Repertório Shakespeare, composto
pelas montagens de Macbeth e Medida por Medida. O gigantesco teatro
acolhe a grandiloquência shakespeariana com a tragédia mais sanguinária do
autor e a comédia que mais reflete a estranha natureza humana.
O enredo de MACBETH,
inicia-se com a profecia de 3 feiticeiras que predizem que Macbeth se tornará
Barão de Cawdor e em seguida rei da Escócia, mas que os descendentes de Banquo
reinarão em seguida sobre o país. Macbeth atiçado pela ambição de Lady Macbeth,
mata Duncan e se faz aclamar rei da Escócia. O novo rei então planeja a morte
de Banquo e seus filhos para se manter no poder. Banquo sucumbe, mas um de seus
filhos consegue escapar. Macbeth vê-se torturado pelo remorso e Lady Macbeth
enlouquece e se suicida. Macbeth é morto e Malcolm, filho de Banquo se torna
rei da Escócia, fazendo-se cumprir a profecia.
Em MEDIDA
POR MEDIDA, O Duque de Viena designa Ângelo, seu subordinado, a conter toda
a imoralidade e corrupção da cidade. O Duque disfarçado de frade, fica à espreita
dos acontecimentos, enquanto Ângelo manda fechar bordeis e punir o “abuso
sexual” com morte. O jovem Claudio é preso por engravidar a noiva Julieta antes
do casamento. Sua irmã, a noviça Isabella intercede tentando reverter a
sentença de morte do irmão, porém é chantageada por Ângelo que deseja sua
virgindade em troca da vida do irmão. O Duque disfarçado arquiteta todo um
plano para desmascarar e combater os malfeitos de Ângelo.
São nesses contextos, que o diretor Ron Daniels, investe numa releitura
moderna, sem perder alguns aspectos clássicos renascentistas. Utiliza-se esteticamente
da arte contemporânea, na utilização do grande painel localizado ao fundo do
cenário, que faz uma releitura do quadro Operários,
de Tarsila do Amaral, grafitado por Alexandre
Orion. Características, de forma e conteúdo, do teatro clássico são notadas,
como por exemplo: a ausência de ação na profundida do palco, um proscênio neutro
onde boa parte da ação se desenvolve, os agrupamentos cênicos que são ordenados
de formas simultâneas, refletindo uma obediência aos princípios
neo-aristotélicos das poéticas renascentistas, onde o ator assume o centro do palco,
em posição de importância.
Percebemos o cuidado e a preocupação do encenador
em não deixar o texto em segundo plano. As falas bem-ditas, com clareza e muito
bem articuladas pelos atores, possibilitam uma boa experiência da arte
narrativa Shakespeariana para o espectador, tornando-o cúmplice da história. No
Teatro Elisabetano esse recurso de cumplicidade era assegurado pela proximidade
entre palco e plateia. Como a arquitetura do teatro Italiano nos oferece uma
outra experiência, o diretor favoreceu essa interlocução optando por marcações
de cena frontais e no proscênio.
A cenografia de André Cortez, também faz uma alusão a arquitetura do Teatro Elisabetano,
com uma instalação cênica semicircular, com entradas e saídas que permitem uma
fluidez e agilidade nas trocas de cenas. O interessante é que as duas peças
utilizam o mesmo cenário, ficando a cargo dos detalhes no painel ao fundo, que diferem
entre as duas montagens.
A sonoplastia de Renato Garcia, em Macbeth, tem a força precisa da sempre eminente
presença bélica e sangrenta, que a ambição pelo poder derramou nesse campo de
batalha. E em Medida por Medida a leveza sonora, quase farsesca, que a ação
sugere.
Os figurinos
de Bia Salgado fazem uma releitura
dos aspectos do teatro renascentista, apontando trajes históricos e indumentárias
alegóricas, de Alex Grilli e Ivete Dibo, que enaltecem o
magnifico e o extraordinário, presentes em cenas pontuais de Macbeth e Medida
por medida.
Fabio Retti opta, em seu desenho
de luz, introduzir elementos contemporâneos em sua concepção. Em Medida por
Medida observamos uma maior liberdade de cores, talvez pela própria
característica do gênero “comédia” em favorecer uma certa liberdade criativa.
Em Macbeth, como a maior parte da ação é noturna, Retti realiza com sucesso um
trabalho difícil que é ambientar a noite sem deixar os atores no escuro.
Parabenizo todos os envolvidos nessa empreitada de
sucesso, principalmente os atores (Ana Kutner,
André Hendges, Fábio Takeo, Felipe Martins, Giulia Gam, Lourival
Prudêncio, Lui Vizotto, Luisa Thiré, Marco Antônio Pâmio, Marcos Suchara, Rafael
Losso, Stella de Paula, Sylvio Zilber e Thiago Lacerda), que tiveram a
oportunidade de “experienciar” os personagens ricos e contraditórios,
impetuosos e frágeis, ambiciosos e transgressores, que são os personagens que
Shakespeare nos presenteia. Nas duas encenações os elencos nos apresentam um
trabalho muito sólido e seguro dentro de um caminho concebido e proposto pelo
diretor/encenador. Desde os papeis principais até os menores papeis são equalizados
numa mesma sintonia estética, corroborando para uma unidade muito bem definida
intitulada Repertório Shakespeare.
Macbeth
Ana Kutner: Primeira feiticeira e A Enfermeira de Lady Macbeth
André Hendges: Ross, um oficial
Fábio Takeo: Lennox, um official
Felipe Martins: Segunda feiticeira e Seyton, official a serviço de
Macbeth
Giulia Gam: Lady Macbeth
Lourival Prudêncio: O Soldado Ensanguentado, O Porteiro e O Médico
Lui Vizotto: Donalbain, o filho mais novo do rei, O filho de Maacduff e
Jovem Siward, filho de general Siward
Luisa Thiré: Lady Macduff
Marco Antônio Pâmio: Macduff, um general
Marcos Suchara: Banquo, um general
Rafael Losso: Malcolm, o filho mais velho do rei
Stella de Paula: Terceira Feiticeira e Fleance, filho de Banquo
Sylvio Zilber: Duncan, o rei e Siward, um general
Thiago Lacerda: Macbeth
Medida por Medida
Ana Kutner: Francisca, uma freira e Mariana, uma mulher enganada
André Hendges: O Superintendente
Fábio Takeo: Frei Tomás e O Franchão,um carrasco
Felipe Martins: Cotovelo, um chefe de polícia e Barnabé, um encarcerado
Giulia Gam: Madame Bempassada, uma cafetina
Lourival Prudêncio: Pompeu, um cafetão
Lui Vizotto: Lelé, um rapaz tolo, Frei Bento e Um mensageiro
Luisa Thiré: Isabella, uma noviça
Marco Antônio Pâmio: O Duque
Marcos Suchara: Lúcio, um brincalhão
Rafael Losso: Cláudio, o irmão de Isabella
Stella de Paula: Kátia François, uma prostitute e Julieta, amada de
Cláudio
Sylvio Zilber: Éscalo, um juiz
Thiago Lacerda: Ângelo, outro juiz
Ficha técnica:
Texto: William Shakespeare
Tradução: Marcos Daud e Ron Daniels
Concepção e Direção: Ron Daniels
Curadoria Artística: Ruy Cortez
Instalação cênica/Painéis: Alexandre Orion
Instalação Cênica/cenografia: André Cortez
Figurinos: Bia Salgado
Desenho de Luz: Fábio Retti
Composição original: Gregory Slivar
Sonoplastia: Renato Garcia
Diretor Assistente: Gustavo Wabner
Preparação Corporal e direção de movimento: Sueli Guerra
Coordenador de Ação: Dirceu Souza
Visagismo: Westerley Dornellas
PreparaçãoVocal: Lui Vizotto
Preparação de Luta: Rafael Losso
Cenotécnica: Fernando Brettas/ Onozone Studio
Figurinistas assistentes: Alice Salgado e Paulo Barbosa
Indumentária e adereços: Alex Grilli e Ivete Dibo
Costureiras: Francisca Lima Gomes e Marenice Candido de Alcantara
Camareiros: Conceição Telles e Regina Sacramento
Projeto de Sonorização: Kako Guirado
Operador de Som: Renato Garcia
Operador de Luz: Kuka Batista
Diretor de Palco: Ricardo Bessa
Contra-regra: Diro Faria, João Pedro meirelles
Edição de Texto: Valmir Santos
Foto de Cena: João Caldas
Foto do projeto/ Still: Adriano Fagundes
Design Gráfico: 6D
Assessoria de Imprensa: Vanessa Cardoso
Relações Internacionais: Guilherme Marques e Rafael Steinhauser
Administração: Flandia Mattar
Produção de objetos: Robson Montero
Assistencia de produção: Claudia Burbulhan, Diego Bittencourt, Marcele
Nogueira e Paulo Franco
Produção executiva: Luísa Barros
Direção de Produção: Érica Teodoro
Idealização: Ron Daniels e Thiago Lacerda
Produção: CIT-Ecum, Pentâmetro TRL
Realização: CIT-Ecum, Pentâmetro, Sesc e TRL